Harold Bloom - Gênio, Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura


Crítica literária
Harold Bloom - Gênio, Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura - Editora Objetiva - 828 páginas - Publicação 2003 - Tradução de José Roberto O´Shea.

Levei algum tempo para concluir a leitura deste trabalho enciclopédico do conceituado e polêmico crítico Harold Bloom. Em minha opinião, Bloom é excessivamente Shakespeariano, sendo que esta posição acabou influenciando a crítica neste livro a vários autores consagrados que foram, de uma forma ou de outra, sempre comparados de uma maneira repetitiva e injusta com Shakespeare. Sobre a paixão de Bloom pela "bardolatria" e a influência negativa em sua crítica, o trecho a seguir de Pedro Sette Câmara é muito elucidador:

"O fato é que Bloom pretende estabelecer uma distância intransponível entre o leitor comum e Shakespeare, e ele, Bloom, não pretende agir como uma mensageiro entre mundos - que seria o seu papel de professor -, mas te convencer de que você não pode mesmo entendê-lo, e que somente Shakespeare - o criador da sua psique, em última instância - pode te explicar, e nunca você a ele. Mesmo que Shakespeare esteja realmente acima da imensa maioria dos seres humanos, isto não quer dizer que não possamos entendê-lo, e entender é explicar."

O procedimento de Harold Bloom na escolha das 100 mentes mais criativas obedeceu o critério de não considerar autores ainda vivos como José Saramago que, apesar disto, é citado como um dos maiores ficcionistas da atualidade. O trecho a seguir define a idéia de gênio literário, nas palavras do próprio Bloom:

"Todas as mentes criativas exemplares aqui incluídas contribuíram para a expansão da consciência dos respectivos leitores e ouvintes. As questões que devemos colocar a qualquer escritor são as seguintes: ele ou ela alarga a nossa consciência? E como isso se dá? Sugiro um teste simples, mas eficaz: fora o aspecto do entretenimento, a minha conscientização foi aguçada? Expandiu-se a minha consciência, tornou-se mais esclarecida? Se não, deparei-me com talento, e não com gênio. Aquilo que há de melhor e de primordial em mim não terá sido tocado".

Harold Bloom utilizou como base na estrutura do livro a divisão dos autores em dez conjuntos regidos cada um por um "Sefirah" da Cabala. Cada uma destas partes é ainda dividida em dois "Lustros" que representam "o brilho decorrente da luz refletida, o lustre, o esplendor de um gênio refletido em outro, uma vez justapostos". Segue abaixo a relação completa dos autores na classificação (confusa) proposta por Bloom:

1. Keter, ou coroa, na Cabala, os autores selecionados nesta classe dominaram os respectivos gêneros literários: teatro, romance, ensaio, épico e conto: William Shakespeare; Miguel de Cervantes; Michel de Montaigne; John Milton; Leon Tolstoi; Tito Lucrécio; Virgílio; Santo Agostinho; Dante Alighieri; Geoffrey Chaucer.

2. Hokmah, sabedoria divina. Jesus é a figura central oculta desta classe, mas foi excluído devido à "sábia advertência dos meus editores", segundo Bloom: O Javista; Sócrates e Platão; São Paulo; Maomé; Samuel Johnson e James Boswell; Johan Wolfgang von Goethe; Sigmund Freud; Thomas Mann.

3. Binah, inteligência realizada em sabedoria, ou um prisma que ilumina o que pode ser apreendido: Friedrich Nietzsche; Kierkegaard; Franz Kafka; Marcel Proust; Samuel Beckett; Molière; Henrik Ibsen; Anton Tchekhov; Oscar Wilde; Luigi Pirandello.

4. Hesed, aliança do amor de Deus pelos homens e mulheres, manifesta-se ou através da ironia ou da perda do amor: John Donne; Alexander Pope; Jonathan Swift; Jane Austen; Lady Murasaki; Nathaniel Hawthorne; Herman Melville; Charlotte Bronte e Emily Jane Bronte; Virginia Woolf.

5. Din, serve de fronteira, ou horizonte, que delimita a aliança de amor de HesedRalph Waldo Emerson; Emily Dickinson; Robert Frost; Wallace Stevens, T. S. Eliot; William Wordsworth; Shelley; John Keats; Giacomo Leopardi; Lorde Alfred Tennyson.

6. Tiferet, misericórdia de Deus manifesta como "beleza" de Deus, meditação frequentemente expressa como Shekkinah, a presença de Deus como bela forma feminina:
Swinburne; Dante Gabriel Rossetti; Christina Rossetti; Walter Pater; Hugo von Hofmannsthal; Victor Hugo; Gérard de Nerval; Charles Baudelaire; Arthur Rimbaud; Paul Valéry.

7. Nezah, vitória de Deus, exemplos do gênio épico e variações deste: Homero; Luis Vaz de Camões; James Joyce; Alejo Carpentier; Octavio Paz; Stendhal; Mark Twain; William Faulkner; Ernest Hemingway; Flannery O´Connor.

8. Hod, "majestade feminina" de Deus, é feminino tão-somente em relação aos atributos masculinos mais severos da Divindade: Walt Whitman; Fernando Pessoa; Hart Crane; Federico García Lorca; Luis Cernuda; George Eliot; Willa Cather; Edith Wharton; F. Scott Fitzgerald; Iris Murdoch.

9. Yesod, traduzido livremente como "fundação", encerra dois significados afins: o impulso sexual masculino e o mistério do equilíbrio entre o feminino e masculino, nos processos naturais: Gustave Flaubert; Eça de Queirós; Machado de Assis; Jorge Luis Borges; Italo Calvino; William Blake; D. H. Lawrence; Tennessee Williams; Rainer Maria Rilke; Eugenio Montale.

10. Malkhut, o "reino", é a presença de Deus no mundo, exibida na glória radiante de Shekkinah. a "descida" do Divino na condição de mulher: Honoré de Balzac; Lewis Carroll; Henry James; Robert Browning; William Buttler Yeats; Charles Dickens; Fiodor Dostoiévski; Isaac Babel; Paul Celan; Ralph Ellison.

Machado de Assis é o único autor brasileiro a constar da relação acima. "A genialidade de Machado", argumenta o crítico, "é manter o leitor preso à narrativa, dirigir-se a ele freqüentemente e diretamente, ao mesmo tempo em que evita o mero realismo (que jamais é realista)". Sobre o romance Memórias póstumas de Brás Cubas, Bloom faz o seguinte comentário: "O livro é cômico, inteligente, evasivo, uma leitura prazerosa, oração após oração. O gênio de Machado nega qualquer páthos , ao mesmo tempo em que subverte todos os supostos valores e princípios, bem como a suposta moral."

Comentários

Barros (RBA) disse…
Conheço Bloom apenas de pequenos comentários por escritores e críticos literários e agora, mais um pouco pela sua resenha. Sem querer ser pretensioso, encontrei numa parte do que ele define como critério de sua avaliação, que repito abaixo, muito similar a que adoto.
Acho até que já comentei aqui sobre o que diferencia uma obra-prima de apenas uma boa obra de entretenimento (e vale também p/ música, teatro, cinema, ...).

“Todas as mentes criativas exemplares aqui incluídas contribuíram para a expansão da consciência dos respectivos leitores e ouvintes. As questões que devemos colocar a qualquer escritor são as seguintes: ele ou ela alarga a nossa consciência? E como isso se dá? Sugiro um teste simples, mas eficaz: fora o aspecto do entretenimento, a minha conscientização foi aguçada? Expandiu-se a minha consciência, tornou-se mais esclarecida? Se não, deparei-me com talento, e não com gênio. Aquilo que há de melhor e de primordial em mim não terá sido tocado”

Já quanto a esse negócio de cabala e toda aquela babaquice dividindo em 10 categorias, não sei não hein?
Alexandre Kovacs disse…
Roberto, Acho que Harold Bloom é arrogante e muitas vezes quer demonstrar mais erudição do que os próprios autores que está analisando. Por exemplo, sobre Doris Lessing, último prêmio Nobel de Literatura, ele declarou: "Acho a sua obra dos últimos 15 anos ilegível", qualificando-a de "ficção científica de 4ª classe".

Toda esta confusa divisão que ele criou em "Gênio" com base nos símbolos cabalistas é desnecessária e cansativa, roubando espaço das verdadeiras estrelas que são os autores selecionados.

No entanto, não podemos desprezar a cultura e conhecimento literário acumulados por Bloom ao longo de tantos anos (como ele fez com Doris Lessing) e, no final, como não gostar de um livro que conta com 100 protagonistas geniais!
Leila Silva disse…
Sempre aprendendo por aqui. Este livro do Bloom eu ainda não tenho, mas tenho aquele do cânone e, de vez em quando me refiro a ele. Muito interessante suas observações a respeito do livro dele.
Abraços
Alexandre Kovacs disse…
Leila, obrigado pelo comentário. Estou sentindo falta de suas resenhas no "Cadernos da Bélgica".
Barros (RBA) disse…
Kovacs,
Segue um resumo dos meus critérios de avaliação das formas de arte classificando em 3 categorias. Mas não é para levar a sério, nem quero ser considerado um pernóstico como Bloom.

- Nível baixo (lixo): sem valor artístico e que deveria ser descartado, mas que consegue sucesso comercial mesmo que por curto período de tempo devido ao baixo nível cultural do povão. No caso da música, esta categoria é a mais fácil de ser encontrada, são aquelas musiquinhas que tocam sem parar nas rádios, TVs, etc, que grudam no ouvido feito chiclete. Na literatura, há aqueles livrinhos de auto-ajuda, ou então historinhas pretensiosamente edificantes, mas sem nenhuma profundidade (me recuso a citar nomes).

- Nível médio (medíocres): mas onde se pode perceber que o autor tem algum talento (poderia citar alguns exemplos, mas temo fazer inimigos por aqui). Podem ser considerados autores de bom entretenimento. Porem, com uma profundidade de uma grande piscina num belo clube ou condomínio de luxo na Barra.

- Nível alto (obra de arte): de algum modo faz com que se altere nossa percepção, sensibilidade e pensamento. Provoca-nos a questionar os padrões estabelecidos. Faz com que nosso padrão de avaliação se altere, dando condições para nosso desenvolvimento intelectual e artístico. Apresentam um oceano a nossa disposição, com suas diversidades de praias e grande riqueza nas suas profundezas a serem exploradas.
Alexandre Kovacs disse…
Roberto, concordo com sua classificação que, sem dúvida, é mais simples e prática do que a rebuscada confusão cabalística de Harold Bloom.

Acho que o nosso interesse está sempre focado na terceira categoria (obra de arte), mas o difícil é enquadrar a obra que estará sempre sujeita a critérios datados de estilo e época. Sem falar nas influências políticas e econômicas que acabam influindo na avaliação crítica.

De qualquer forma, a verdadeira obra de arte permanecerá, aí estão Flaubert, Tolstoi, Dostoievski, Poe e tantos outros para comprovar.
Lady Cronopio disse…
(Suspiro- de alívio)
Ainda bem que não sou a única a demorar na leitura deste livro...
Sempre que chega um novato na minha biblioteca, o pobrezinho é relegado a segundo plano.
Mas depois de ler atentamente seu post, resolvi que ele assumirá a vaga que lhe é de direito há pelo menos 6 meses.
Beijos e aquela coisa toda.
Cintia disse…
Eu estava levando a sério o Bloom até que li essa classificação de acordo com a cabala... Poxa, isso virou moda até em crítica literária? Ou será que ele anda ouvindo Madonna? :O

Bom, é pena só ter um brasileiro, mas se é para figurar só um, que seja o Machado. É o meu autor brasileiro favorito.

Bjão,
Alexandre Kovacs disse…
Lady Cronópio, este livro passou uns bons meses na minha cabeceira. É uma leitura pouco animadora devido ao caráter enciclopédico e o "desperdício" de erudição de Bloom. De qualquer forma, como já comentei acima, no final não há como não gostar de um livro que conta com 100 autores geniais.
Alexandre Kovacs disse…
Cintia, Machado de Assis é autor para qualquer seleção. Também achei esta idéia de classificação pela cabala pouco eficiente. Obrigado pela visita e comentário.
nostodoslemos disse…
Freud como sabedoria Divina...
Nem prossegui a leitura.
Confuso mesmo!
nostodoslemos disse…
Em tempo: detesto dizer isto mas detesto classificação...
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, você tem toda razão, pois é mesmo uma classificação bem confusa esta do Harold Bloom!

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