Virginia Woolf - Contos Completos

Literatura inglesaVirginia Woolf - Contos Completos - Editora Cosac Naify - 472 páginas - Publicação 2005 - 3º reimpressão 2008 - Fixação de Texto e Notas de Susan Dick, Projeto Gráfico de Luciana Facchini, Tradução de Leonardo Fróes.

Mais um trabalho de excelência editorial da Cosac Naify, a coleção “Mulheres Modernistas” recebeu tratamento gráfico diferenciado, novas traduções e alguns textos inéditos de autoras do nível de Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Karen Blixen, Marguerite Duras, Gertrude Stein e Flannery O'Connor.

Este volume, traduzido do original "The Complete Shorter Fiction of Virginia Woolf", apresenta um apêndice com notas detalhadas sobre a origem de cada um dos contos, ano de publicação e particularidades do processo criativo e biográfico da autora. Na parte final foi incluída uma bibliografia com extensa relação de trabalhos de ficção, ensaios, diários e correspondência lançadas no Brasil e exterior. Virginia Woolf (1882-1941) utilizou nos contos, assim como em seus famosos romances "Mrs. Dalloway" (1925), "Rumo ao Farol" (1927) e "Orlando" (1928), muitas das características que marcaram o seu estilo literário e também todo o movimento modernista do século XX, técnicas como o fluxo de consciência e narrativas não lineares com polifonia narrativa e ausência de ação, pelo menos da maneira tradicional. A seleção obedece uma ordem cronológica de apresentação em cada um dos seguintes blocos:

(1) Primeiros contos, antes de 1917 - Nesta primeira parte o destaque vai para o conto "Phyllis e Rosamond" que mostra como a autora, logo em seus textos iniciais, demonstra sua simpatia para com o movimento feminista em contraste com a rigidez de costumes da Era Vitoriana. A seguinte passagem ilustra bem o destino das mulheres nesta época: "Phyllis tem 28 anos, Rosamond, 24. São pessoas graciosas, de faces rosadas, vivazes; um olhar minucioso não encontrará em seus traços uma beleza perfeita; mas seus trajes e maneiras dão-lhes o efeito da beleza, sem lhes dar a substância. Parecem nativas da sala de visitas, como se, nascidas em vestidos de seda para a noite, jamais tivessem posto o pé num solo mais irregular do que o tapete turco, ou reclinado em superfície mais áspera do que a poltrona ou o sofá. Vê-las na sala cheia de mulheres e homens bem trajados é como ver um negociante na Bolsa, ou um advogado no Fórum".

(2) Contos de 1917 a 1921 - "Kew Gardens" é como um quadro impressionista, uma paisagem de uma tarde de Julho no jardim de Kew Gardens , onde praticamente não há nenhuma ação, exceto pela descrição dos efeitos de luz e cor no canteiro de flores e a passagem de homens e mulheres como fragmentos de memórias que são tão importantes na narrativa quanto o movimento de um caracol no jardim que "já havia considerado todas as possíveis maneiras de atingir seu objetivo sem contornar a folha seca nem subir por cima dela".

Ainda nesta fase, uma outra composição que impressiona pela originalidade da narrativa é "Objetos Sólidos" na qual o protagonista, um influente político que concorre ao parlamento, vai se desligando aos poucos de sua brilhante carreira e obrigações em troca de uma surpreendente paixão por objetos sem valor como cacos de vidro e porcelana. A maneira como Virginia Woolf descreve os detalhes de forma e cores de tais objetos, associados ao gradativo processo de alucinação do personagem, tudo isso no espaço limitado de um conto, é verdadeiramente um caso de estudo.

(3) Contos de 1922 a 1925 - Em mais de um conto desta fase, Virginia Woolf utiliza a personagem Clarissa Dalloway que parece ser um elemento central no seu universo de ficção, costumando ligar outros personagens da narrativa como no caso de "Mrs. Dalloway em Bond Street", que inicia, de maneira semelhante ao famoso romance: "Mrs. Dalloway disse que ela mesma ia comprar as luvas". Passagem conhecida do grande público através do filme "As Horas" (2002), de Stephen Daldry, com Nicole Kidman. A partir desta etapa, cada vez mais a introspecção e o fluxo de consciência são utilizados na narrativa, confundindo o leitor menos atento.

(4) Contos de 1926 a 1941 - O conto "Momentos de ser: pinos de telha não têm pontas" mostra a indefinição sexual de Virginia que, apesar de um longo casamento com Leonard Woolf, teve um relacionamento amoroso com Vita Sackville-West e também um caso de paixão literária pela escritora Katherine Mansfield. Segundo consta das notas desta edição: "Em 8 de julho de 1927 ela disse à tambem escritora Vita Sackville-West: ´Acabei de escrever, ou reescrever, um saboroso continho sobre safismo, para os americanos`. Em 14 de Outubro ela se referiu a ´sessenta libras recém-recebidas da América por seu continho safista, cuja clara intenção o editor não viu (...)`".

Comentários

Kovacs, tuas fantasticas descricoes do "Kew Gardens" - alem dos demais contos - me remetem a alguns poemas Manuel de Barros ao descrever as tais coisas aparentemente 'desimportantes', obliquas; ou seja, muitas vezes os detalhes fundamentais da vida cotidiana. O Saramago, talvez inspirado em Woolf, tinha feito algo parecido em "Objeto Quase," um dos seus livros mais experimentais.

Bacana deve ser pensar nas fotos do escritorio de Woolf, que voce postou, e ler esse conto. Eh outra dimensao.

Uma queixa: mais uma vez, meu chapa, voce me cria problemas. Agora, os contos da Woolf ja aumentam a minha interminavel lista de leituras prioritarias. Obrigado!

Abracao, Chico
Leila Silva disse…
Que maravilha, li poucos contos de V. woolf, as novelas conheço bastante bem.

Abraço
Alexandre Kovacs disse…
Chico, devo confessar que tenho um pouco de medo da obra de Virginia Woolf que é um caso a parte na literatura. Medo de não conseguir ter a sensibilidade suficiente para compreender a arquitetura dos detalhes, a elegância da narrativa, a verdadeira modernidade (ainda hoje).

Caro Chico, desculpe-me por esta agressão ao seu orçamento, mas o livro é absolutamente necessário (também o de Katherine Mansfield da mesma série que também ainda não comprei). Obrigado pelos comentários sempre inteligentes!
Alexandre Kovacs disse…
Leila Silva, todos os ingredientes dos romances estão presentes nestes contos. Imperdível!
Ricardo Duarte disse…
Kovacs,
Comecei a me enveredar pelo mundo de Virginia Woolf no ano passado. Gostei tanto que já adquiri dois outros livros dela: Mrs. Dalloway e As Ondas. Mais para o final do ano pretendo conseguir esse volume de contos. Ótima resenha.
Blog do Beagle disse…
Nossa, já estou com vários livros empilhados na mesa de cabeceira ... uma uns para a ela! Obrigada pelo incentivo à leitura, prazer que venho perdendo com o passar dos anos e as dificuldades com os óculos. Elza
Anônimo disse…
dica de site de aficcionados por livros: Skoob

Skoob é uma rede social para aficcionados por livros. O Sistema é novíssimo, além de uma interface limpa e agradável existe um ótimo mecanismo de classificação de livros por listas e tags.

Outra característica interessante é poder criar resenhas para os livros lidos e comentários durante a leitura de outros livros. Vale dizer que as resenhas podem ser comentadas e ainda votadas, concordando ou não com ela.

É muito interessante encontrar pessoas com gostos de leitura semelhantes e explorar sua estante de livros em busca de algum tesouro perdido, realmente é uma bela iniciativa.

Ainda é bem recente, com poucos livros cadastrados, mas a idéia é boa e está crescendo.
O endereço é www.skoob.com.br .
Barros (RBA) disse…
Um pouco como vc disse, também tenho receio da obra de Woolf, mas ao mesmo tempo certo fascínio pelo seu mundo, talvez pela proximidade com a loucura que sua obra me traz – a genialidade está ali, naquele limiar.
A propósito, as publicações da Cosac Naify são sempre muito bem cuidadas, mas são tão carinhas...
Alexandre Kovacs disse…
Ricardo Duarte, boas escolhas as suas. Pelo visto será um ano dedicado à literatura! Obrigado pela visita e comentário sempre bem vindo.
Alexandre Kovacs disse…
Elza, ótimo que tenha conseguido incentivá-la no prazer da leitura. Vamos esvaziar a mesa de cabeceira! Obrigado pela visita.
Alexandre Kovacs disse…
Jeremy, já tinha ouvido falar da rede Skoob, certamente parece ser uma ótima idéia. Vou checar mais de perto, obrigado pelo convite.
Alexandre Kovacs disse…
Barros, certamente que os livros da Cosac e Naify são caros e nem poderia ser diferente devido ao cuidado editorial em todos os sentidos. Precisamos melhorar o nosso orçamento (aceito conselhos).
Unknown disse…
Sou um grande admirador da obra de Virgínia Woolf. Esse volume que você nos indica, é de fato, uma obra raríssima em qualidade e oportunidade.
Recomendo a todos que não tiveram coragem ainda, que se impregnem de boa vontade e tempo. E mãos à obra.O prazer é garantido.
A editora garantiu seu nome no mundo dos livros, com esse volume. Parabéns, meu caro, uma vez mais, sempre você. Abraços.
Anônimo disse…
Essa coleção é deslumbrante, kovacs, é um livro caro que vale a pena(ou o dinheiro...:)
Mas tenho descoberto que nem tudo que a cosac publica é inquestionável (eu achava que era), mas há algumas porcarias embrulhadas em papel de luxo, o que é uma pena, e claro que essa coleção é luxo puro...
um abraço,
clara lopez
Alexandre Kovacs disse…
Djabal, sei da sua admiração por Virginia Woolf e, por isso mesmo, o livro é duplamente recomendado. Obrigado pela presença por aqui neste mundo e aproveite muito os contos, sei que os resultados desta leitura irão aparecer multiplicados em seus textos!
Alexandre Kovacs disse…
Clara Lopez, sobre esta coleção "Mulheres Modernistas" da Cosac Naify estamos de acordo que é luxo puro. Obrigado pela sua presença sempre importante por aqui!
Anny disse…
Kovacs:
Adoro livros, não passo sem eles. Bem que poderiam ser mais em conta. Principalmente livros como estes.
Sabe, fiquei encantada com a sua decrição perfeita. Suas palavras me seduziram...
Alexandre Kovacs disse…
Cara Anny, obrigado pelo comentário gentil. Bem que os livros podiam ser menos caros, principalmente os de literatura!
jugioli disse…
Uma referência imperdível.
Virginia Woolf de uma sensibilidade exuberante. Não é uma leitura fácil, porém quando releio, sempre depois de algum tempo, encontro novos mistérios desta encantadora poetisa das palavras.

JU
Anônimo disse…
Cheguei aqui por outra pesquisa, sobre o livro "Neve" e agora vim dar uma olhadinha no restante do blog. Excelente, por sinal! Já adicioneio no meu reader!

Parabéns mesmo!

Bjs!
Alexandre Kovacs disse…
JU Gioli, uma leitura muito difícil e que exige concentração, mas que sempre se renova como você destacou muito bem. Obrigado pela visita e comentário.
Alexandre Kovacs disse…
Poetriz, obrigado pelo comentário, achei o seu site fantástico, parabéns e estarei sempre comentando por lá.
Anônimo disse…
Kovacs, seu amigo Kuinta com Q fica entusiasmado com sua capacidade de trazer a público jóias literárias como as diversas apresentadas. Sua mente brilhante com capacidade de sintetização é um desafio para aqueles que pretendem transmitir informações de qualquer natureza. O Brasil e o Mundo necessitam de pessoas como Você. Ès o "co-fundador" de meu Blog ainda em estágio de construção. Obrigado.
Alexandre Kovacs disse…
Caro amigo Kuinta com Q, se este espaço conseguiu influenciá-lo de alguma forma já me considero satisfeito. Obrigado pela sua colaboração na área de filosofia aqui no "Mundo de K" e pode estar certo de que serei sempre um seguidor do seu blog.
Letícia Alves disse…
Adorei a dica!
Nunca li nada da autora, mas gosto muito de contos! vou anotar!
Beijo!
Alexandre Kovacs disse…
Tempestade, obrigado pela visita e comentário. Virginia Woolf é uma autora fundamental!
nostodoslemos disse…
Caro Kovacs,

Nunca li nada da autora, com excessão deste texto pesquisado em entrevista com Raquel Soihet (*), na grande rede:

"As mulheres durante séculos serviram de espelho para os homens, elas possuíam o poder mágico e delicioso de refletir uma imagem de homem duas vezes maior do que a da natureza. Eis porque os homens buscavam assegurar a inferioridade das mulheres, pois se elas não fossem inferiores, cessariam de ser espelhos de aumento".
(Woolf, Virginia, "Um teto todo seu", RJ,N. Fronteira, 1985).

(*) www.unb.br/ih/his/gefem/labrys4/textos/raquel1.htm

Resta saber se Virgínia Woof teria se divertido com as construções literárias de autores como Antônio Lobo Antunes, que declaram:

"Nas entrevistas, por vezes dou uma respsta qualquer para que me deixem em paz." (BLANCO, 2002, p. 224).

Conheço pouco dos dois autores.

Agradecimento sincero as dicas literárias.

Sds,
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, obrigado pelo comentário! Dois autores fantásticos, ambos difíceis, cada um a seu modo, mas que representam o que de melhor encerra verdadeiramente a expressão "modernista" (mesmo separados por quase um século).
Anônimo disse…
Virginia Woolf tentou 'curar' sua loucura pelo suicídio

http://www.revistabula.com

http://www.revistabula.com/materia/virginia-woolf-tentou-curar-sua-loucura-pelo-suicidio/598
Alexandre Kovacs disse…
Hugo, certamente que ela tentou, mas a "loucura" era incurável como bem sabemos! Obrigado pela visita e comentário.
Anônimo disse…
Kovacs, sua resenha me "obrigou" a encomendar no original estes contos completos. Estou lendo devagarinho e
intercalando com outras leituras, mas
pelo pouco que li já me deu uma boa idéia do poder de fogo da prosa da Woolf (neste momento ela é a minha mais nova obsessão literária rsrsr).
Contos como The Mysterious Case of Miss V e A Haunted House (uma ghost story como nenhuma outra) me deixaram uma profunda impressão.
Recomendo veemente dois contistas magníficos, infelizmente pouco divulgados por essas bandas: Eudora Welty (em especial as duas primeiras coletâneas de contos) e os contos completos do uruguaio Juan Carlos Onetti (lançado pela Companhia das Letras).
Segue um trecho desta verdadeira epifania literária que é a obra do Onetti:

"Quando Díaz Grey aceitou, indiferente, o fato de
ter ficado sozinho, deu início o jogo de reco-
nhecer-se na única lembrança que nele quis
permanecer, movediça, já sem data.Via as imagens
da lembrança e via a si mesmo ao transportá-la
e corrigí-la para evitar que morresse, consertando
os desgastes de cada despertar,sustentando-a com
imprevistas invenções, enquanto encostava a cabeça
na janela do consultório, enquanto tirava o jaleco
ao anoitecer, enquanto se entediava sorridente nas
noitadas no bar do hotel.Sua vida, ele mesmo, já
não passavam daquela lembrança, a única digna de
evocação ou de correções, de que, vez por outra,
seu sentido fosse falsificado."
Alexandre Kovacs disse…
Caro Ramon, fiquei muito feliz com o seu comentário, primeiramente porque gosto de receber comentários de postagens já publicadas há algum tempo e também por ser da área de literatura um dos focos principais deste blog. Sobre Onetti já resenhei dois romances deste magnífico autor, se você tiver algum tempo é só clicar na barra lateral esquerda: Livros Comentados. Seja bem-vindo por aqui e volte sempre!

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