Por que a distopia é sempre mais interessante do que a utopia?

Distopia
Hieronymus Bosch (1450 - 1516) - Detalhe de "O Jardim das delícias terrenas"

Escrever sobre distopias sempre provoca um maior interesse nos leitores do que os textos sobre utopias. Posso falar por experiência própria porque já publiquei duas postagens semelhantes e na mesma época aqui no blog sobre o tema: "As 20 melhores utopias da literatura" e "As 20 melhores distopias da literatura". Hoje, quando comparo os dois textos em termos de popularidade, vejo que o desempenho das distopias é francamente mais expressivo em termos de visitas e compartilhamentos nas redes sociais. Será que a ficção que lida com sociedades sem esperança em regimes políticos totalitários é mais atraente ao leitor ou simplesmente a felicidade é um tema que não seduz mais as pessoas no século XXI?

A imagem que abre esta postagem é um detalhe da parte central do tríptico "O jardim das delícias terrenas" de Hieronymus Bosch (clique aqui para navegar por uma versão em alta definição do Museu Nacional do Prado), uma composição em três telas que apresenta o paraíso e o inferno nas partes laterais e no quadro central, em maior destaque, os prazeres efêmeros da carne ou as "delícias terrenas" com aspectos peculiares, praticamente de caráter surrealista (quatro séculos antes do movimento surgir). Obviamente, o artista visionário pretendia representar com o seu simbolismo a vida humana entre o bem e o mal, uma espécie de utopia primitiva ligada aos prazeres sexuais e alguma luxúria.

Não há duvida de que, em nossa época, a utopia parece uma ideia cada vez mais distante, vinda de um passado remoto, e a distopia tem se tornado uma presença constante e verdadeira em nosso cotidiano, seja por meio do fanatismo religioso, violência e atentados terroristas em todo o mundo ou dos interesses das grandes corporações que provocam as tragédias ambientais e a corrupção política generalizada, impedindo o desenvolvimento econômico de países como o Brasil e afetando principalmente as áreas mais importantes para a população: a saúde e a educação. Não há como negar, vivemos em uma sociedade distópica e a ficção simplesmente reflete esta realidade de uma forma até mesmo ingênua.

Ocorre então um fenômeno que vivenciamos durante todo este ano, o pessimismo se torna generalizado e a busca pelo que é trágico e errado norteia o interesse da população e os próprios meios de comunicação. É muito comum então ouvirmos a expressão de que "notícias boas não vendem jornais", será mesmo? Os problemas da nossa sociedade são básicos e cruciais, fazendo com que os livros, arte e cultura, passem a ter uma menor relevância e até mesmo gerando um certo complexo de culpa em parcelas da sociedade, este me parece um caminho errado. É normal que exista o desejo de isolamento ou a polarização política. De um lado o conformismo, do outro o ódio. Sair deste impasse é o desafio dos próximos anos.

Bem, a intenção como sempre era falar de arte e literatura, mas acabei me deixando levar pelo clima de distopia deste final de ano e é evidente que não vivemos em uma ilha. Mesmo no Mundo de K a realidade às vezes bate na porta. De qualquer forma, a verdade é que existem espaços e pessoas com muito melhor preparo para falar sobre temas como política e economia, o conceito do blog é apoiar e divulgar a ideia de que arte e cultura são atividades necessárias e importantes, entre muitas outras coisas, na formação da cidadania. E, afinal, são os assuntos que pretensamente conhecemos e gostamos de falar por aqui. Nossa forma de contribuir na busca de uma sociedade utópica, enquanto for possível.

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