Paul Celan e o poema hermético

Todesfuge

Paul Celan (1920-1970) nasceu em Chernovitz (antiga Roménia, hoje Ucrânia), filho de judeus de língua alemã que foram mortos nos campos de concentração, Celan sobreviveu ao holocausto e se tornou um dos maiores nomes da poesia alemã do pós-guerra tendo sido vencedor do prêmio Georg Büchner em 1960. Ele foi também um grande tradutor de poetas como Shakespeare, Rimbaud, Valéry e Fernando Pessoa. Um dos seus poemas mais conhecidos é Todesfuge (Fuga da Morte)

Mas o que eu quero destacar nesta postagem é a característica hermética da maioria de seus poemas, especialmente aqueles que podem ser chamados de epigramas. Eu chamaria o exemplo abaixo de poema-granada, um poema que não precisa de muito espaço (três linhas no caso) para desenvolver  o tema e chegar à ideia principal da composição, gerando um efeito devastador. Afinal, como ensina Ferreira Gullar, o poema tem que ser um relâmpago.
Eras a minha morte:
a ti eu poderia reter
quando tudo me desertava.
Flavio R. Kothe em Hermetismo e Hermenêutica - editora tempo  brasileiro - 1985 comenta de maneira muito objetiva o poema acima: "Talvez por opção do poeta, talvez por imposição da História, a morte ocupa o lugar que deveria ser o da vida. Se tudo nos deserta, como que a vida nos abandona. Como a vida está longe da utopia a morte está presente em toda a vida. Mas o contrário é o que aparece: o único que ainda resta é o que parece ser a morte. Daí nesse pseudo poema lírico, a amada já não é mais a alegoria da vida, mas se torna a própria morte (...). Tem-se aqui a inversão absoluta do poema lírico tradicional: a amada já não é mais a figuração da vida, mas ela mesma é apenas ausência, indeterminação, presença do nada"

Bem, leiam agora o poema após esta explicação de Kothe para apreciá-lo em toda a força de sua estranha beleza.

Comentários

Alex Zigar disse…
Ignorava a existência deste poeta. Uma pena. Pois me pareceu, apesar do hermetismo, extremamente interessante. Aproximo dele pela identificação de um pessimismo pulsante. Excelente artigo, K.

Abraços
Adorei o artigo. Mas fiquei pensando em eventual semelhança com os Hai Kai (acho que é assim) Adoraria aprender mais.
Bento Moura disse…
Queridíssimo K,

Você foi perfeito em "estranha beleza". Estamos tão massacrados pelos cânones do belo (logo, do superficial) que a simples menção de algo que fuja a estes parâmetros causam um desconforto no 'status quo'.

Costumo pensar que certas cousas são tão pungentes que parecemos engolir caquinhos de vidro: e sentimos sua trajetória "corpo" adentro. Por isso mesmo aí reside o caráter mais puro do belo: a exemplar exatidão de sua natureza.
Em outros termos, sua essência.

Quando Celan retrata a vida fugidia e 'afaga' a morte, não penso que, necessariamente, refute a primeira. Ao dizer que só tem o morrer, não deixa de ser (também) uma espécie de libelo a vida. Naturalmente, Vida que engendra e abarca todas e sem exceção nuances. Claro que é preciso muita coragem de espírito para não temer ou escamotear as suas variações.

E cá prá nós... nem todo dia cinzento significa falta de luz: porque é preciso olhos atentos para perceber as gradações desse cínzeo que envolve a janela e pode adentrar a vida.

Bravo. Aliás, bravíssimo. E de pé.
Abraços e sempre obrigado.
Alexandre Kovacs disse…
Alex, a poesia de Celan é mesmo carregada de amargura, muito provavelmente decorrente da sua própria história. Não é para menos que, em 1970, ele resolveu tirar a própria vida, afogando-se como Virginia Woolf.
Alexandre Kovacs disse…
Dona Sra. Urtigão, os poemas herméticos normalmente não são curtos ao estilo Haikai (formatação rígida de três linhas). Celan, particularmente, conseguia lançar essas granadas líricas, como eu toscamente defini, utilizando construções bem reduzidas (mas nem sempre) como neste exemplo que realmente lembra muito a estrutura de um Haikai tradicional.
Alexandre Kovacs disse…
Caro Bento, essa era realmente a minha intenção quando falei em "estranha beleza". Certamente uma beleza menos óbvia e não tradicional, mas que cumpre igualmente o seu papel de destacar a vida com todas as suas imperfeições, supondo que a morte possa ser considerada um evento imperfeito. Afinal, nem todo dia cinzento significa falta de luz, como você bem lembrou. Obrigado pelo bonito comentário.
myra disse…
oi, meu querido amigo, o meu irmao admirava muito P. Celan!!! eu tbem...
e admiro sempre este teu lugar,
abraços
Alexandre Kovacs disse…
Myra, saudade dos textos do seu irmão Iosif Landau, os poemas de Paul Celan têm algo em comum com a obra dele.

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