Simon Schama - O Poder da Arte, Parte 7 - Picasso

Pintura
Guernica, 1937 (Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madri, Espanha)

"No inverno de 1941, Pablo Picasso morava e trabalhava no último andar de uma casa velha da Rue des Grands Augustins, em Paris, a dois passos do Sena. A luz mortiça do norte se filtrava por entre as telhas. Pombos se empoleiravam no parapeito das janelas. Porém a vida de Picasso na Rive Gauche, durante a Ocupação, era mais boêmia do que ele gostaria. Fazia muito frio, e a energia elétrica era precária. Só uma estufa antiquada, do chão ao teto, e sua amante Dora Maar o mantinham aquecido (...) Havia uma ausência notável entre as obras expostas no ateliê: Guernica, o quadro que fizera dele o artista mais famoso — ou notório — do mundo moderno. Os alemães não gostaram muito dessa tela, o grito de dor ante as barbaridades cometidas pela Luftwaffe contra civis indefesos de uma cidade basca na primavera de 1937. Mas não conseguiram agarrá-la. Em 1939, Guernica fora embarcada no Normandie e, como uma refugiada, havia partido para Nova York junto com os violinistas e psiquiatras de Viena e Berlim. Instalada no Museum of Modern Art, tornara-se mais que uma imagem do horror. Era um painel de indignação moral; um lugar onde as pessoas se reuniam para lembrar o que as separava da crueldade fascista. Era a boa incendiária." - Simon Schama - O poder da Arte (pág. 388)

Guernica é uma das obras de maior impacto político da história da arte e, no entanto, Pablo Ruiz Picasso (1881-1973) até então nunca havia sido um pintor engajado politicamente, muito pelo contrário. Ele dizia, em defesa do cubismo, que o objetivo da arte "é pintar e nada mais" e que "o bom ou o verdadeiro, o útil ou o inútil não são problemas da arte". Finalmente, assim como outros artistas do movimento modernista, ele achava também que a liberdade criadora nunca deveria se sujeitar à política. Tudo mudou radicalmente quando a cidade basca de Guernica, que não tinha maior importância estratégica e apenas 7 mil habitantes na época, foi o alvo escolhido de sucessivos bombardeios da aviação alemã em apoio às forças do general Franco. Este ataque surpresa despejou 3 mil bombas incendiárias, durante três horas, matando de imediato quase um quarto da população e deixando muitos outros gravemente feridos. A oportunidade para a criação e divulgação da obra surgiu logo em seguida por ocasião do convite para expor no pavilhão republicano espanhol na Exposição Internacional que se realizaria em Paris naquele verão.

O projeto de Guernica contou com uma tela imensa de quase oito metros de comprimento e três e meio de altura, Picasso trabalhou em uma série de esboços: uma mãe carregando o filho morto, com a boca escancarada num grito de dor, um cavalo que urra com os dentes arreganhados e agonizando com uma ferida em forma de losango, um guerreiro caído com a espada quebrada e uma flor infantil ao lado e mais várias citações à arte espanhola (por exemplo, outro clássico de Goya, "O três de maio de 1808 em Madri: os fuzilamentos na montanha de príncipe Pío" , clique aqui para visitar a obra no Museu do Prado). É claro que a crítica e o público da época não estavam preparados para tamanha revelação e Guernica precisou provar a sua relevância artística com o passar do tempo. Como toda obra de arte, por melhor que seja, não conseguiu derrotar o poder fascista na guerra civil espanhola ou impedir os massacres nas guerras posteriores, mas permanece até hoje como uma lembrança viva do que o homem é capaz de fazer contra a própria humanidade.

Pintura
O sonho, 1932 
(Coleção Ganz, Nova York, EUA)
Seria uma injustiça resumirmos a obra de Picasso apenas ao labirinto trágico em preto e branco de Guernica. Ele amava muito as mulheres, apesar deste amor se mostrar basicamente através de uma forma sexual apenas, primeiramente a bailarina russa Olga Koklova com quem se casou e depois a loira alta de feições nórdicas e perfil grego, Marie-Thérese Walter (entre muitas outras), que conheceu quando ela tinha apenas dezessete anos. "Olga e Marie-Thérese se tornaram polos opostos em suas representações da experiência sexual. Dependendo do que prevalecia em sua mente — sofrimento ou êxtase —, ele as manejava de um jeito ou de outro." 

É claro que os problemas matrimoniais sempre colocavam Olga em desvantagem. A tela ao lado (cliquem na imagem para ampliá-la) é a prova de como Marie-Thérese era vista de uma forma erotizada e muito mais suave. Nesta pintura ela está recostada numa poltrona vermelha, com os olhos fechados, um dos seios à mostra, um sorriso apenas esboçado na boca de lábios pintados e, o golpe de mestre, as mãos em uma insinuante posição sugerindo uma ação masturbatória. "Ela tem sexo na cabeça, literalmente. É o tipo de quadro que faz o que diz, levando-nos a uma espécie de prazeroso torpor. Tudo muito engenhoso e sedutor."

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